Los Delinquentes
- Michel Schettert
- 25 de dez. de 2023
- 4 min de leitura
A película argentina retrata a decisão de um bancário em furtar 650 mil dólares do cofre do banco onde ele mesmo trabalha. Para isso, Morán vai precisar de um cúmplice. O protagonista convence com ameaças Román, seu colega de posto, a esconder o dinheiro em sua casa enquanto pretende cumprir a pena mínima na prisão, de 3 anos.

O enredo se desenrola então em 3 partes: a primeira gira em torno do roubo, da prisão e da investigação do crime; A segunda é a humanização dos dois personagens em torno de uma esperança; E a terceira é o desencontro que irá gerar soluções opostas: letargia ou itinerância. É um filme de drama, por isso o final divergente. Os planos de Los Delinquentes são muito bem cuidados, com arte e composição impecáveis. A montagem faz fusões e até uma divisão de tela em momentos coerentes. É uma narrativa longa, de 3 horas, exibida no Festival de Cannes de 2023. Está disponível no MUBI.
Notamos algumas coisas: Morán não planejou o crime. Ele foi oportunista. Cansado da vida sem perspectivas em Buenos Aires, encontrou naquele momento sozinho diante do cofre uma chance para mudar. Não calculou todos os prejuízos, mas tinha algum conhecimento sobre como se safar. Na prisão, ele encontra o chefe da máfia local, que não por acaso, é interpretado pelo mesmo ator que faz o seu chefe no banco – talvez um irmão gêmeo. Essa dualidade ronda o filme inteiro, não apenas através dos personagens e seus nomes (Morán, Román, Norma, Ramón, Morna), mas por uma condição de eterno retorno inerente aos ciclos de vida e morte.
Enquanto Morán sobrevive na cadeia depois de pagar o seguro de vida ao chefão, a narrativa segue em paralelo pelo olhar de Román, ainda funcionário do banco roubado. Ele sofre uma enorme pressão da investigadora e resolve tirar o dinheiro de casa antes que uma diligência encontre a prova do crime. Morán diz a ele para ir até o campo, numa comunidade longínqua, onde ele deverá cruzar um riacho e subir ao topo de uma colina, para esconder o dinheiro embaixo de uma pedra. Vemos bastante tensão no rosto de Román, que nos parece ter entrado numa fria ao acreditar numa salvação pelo dinheiro. Após esconder a grana, essa tensão vai se transmutar através do encontro amoroso com Norma, uma bela indígena que vive naquele interior argentino, onde supostamente aparecem seres extraterrestres (Córdova). Eles se conectam em apenas um dia, mas ela diz que iria para a capital com ele, caso desejasse. Ainda com o problema do roubo na cabeça, Román desacredita a continuidade da aventura, tendo em vista sua companheira na cidade. Ele volta ao trabalho e a pressão do banco continua ainda mais forte, na medida em que sua participação no crime fica mais evidente. A rotina vira um inferno e sua companheira pede um tempo. Román se adianta em chamar a garota do campo para a cidade, numa investida contra a própria tensão. Norma não conhece a vida urbana e fica num vai-e-vem entre hotéis, sem conhecer a casa de Román, que desvia enquanto pode.
O paralelo segue então para o lado de Morán, presidiário, em forma de flashback. O espectador acompanha o breve período em que ele viveu na comunidade campesina antes de se entregar à polícia. Ficamos sabendo que ele se envolveu com a mesma garota que Román, de uma forma bem diferente. Voltamos então àquela dualidade dos encontros, das fixações duplas que a convivência vai gerando no trajeto da vida. Morán inclusive leva uma tatuagem nas costas que contribui para esta leitura. Não surpreende o fato de os criminosos terem ficado com a mesma garota, mas sim o modo como ela se entregou de formas diferentes para estes dois homens desorientados. Implicitamente, Norma ganha profundidade como personagem. Do ponto de vista dos criminosos, eles não sabem que ficaram com a mesma pessoa. A ficha cai primeiro para Román, quando Morán lhe entrega uma carta pedindo que a entregue a uma garota morena que mora na comunidade. Um dia, quando Norma diz que não voltará mais para a cidade para visitar Román, este lhe mostra a carta. A garota fica incrédula da maluquice que os dois fizeram. Ela sai da narrativa aí, deixando o triângulo que estava se desenhando. Voltamos para a dualidade cúmplice dos dois (ignorem o pleonasmo).
Passa o tempo e Morán sai da cadeia. É a terceira parte se iniciando. Mesmo na ausência de uma cena de reencontro com o dinheiro, subentende-se que os dois irão repensar as suas respectivas vidas. Morán vai até a casa de campo onde conheceu Norma e vê tudo abandonado. Nada do sonho que ele tinha imaginado poderia se concretizar. Ao encontrar o cavalo que introduzira seu amor prescrito, monta-o sem sela e sai pela imensidão do prado. Román, enquanto isso, sobe a colina e fica esperando uma aparição, uma outra salvação.
São belos os planos em que o distante toma o tempo. A paisagem é horizontal para Morán, e vertical para Román. Há planos que parecem uma clara referência à falha de Dib Lutfi quando filmava na China: Lucélia Santos pedia para ele deixar a câmera parada enquanto o passante ia caminhando por cima da grande muralha. Mas ele se agoniou e deu o zoom. É o caso do primeiro plano de Los Delinquentes: o zoom na estátua equestre da Plaza de Mayo. É o caso do eterno retorno. Que se salvem os argentinos dos velhos novos fantoches do neoliberalismo delinquente!
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