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Sala dos Professores

  • Michel Schettert
  • 2 de abr. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 11 de abr. de 2024

Saí de bicicleta para ir ao cinema ver A Sala dos Professores. Meus pneus estavam semi-cheios, mas não cheguei murcho nem molhado por conta da chuva que já caíra à tarde em Belém. Depois de ter pego o ingresso, decidi caminhar até o Ná Figueiredo para fazer um lanche, enquanto não dava a hora da sessão (21h). Cheguei lá e dirigi-me diretamente ao bar para pedir meu sanduíche de peixe frito, que em 20min ficou pronto, tempo durante o qual fiquei ouvindo a entrevista do meu amigo Valdeli Costa, ao vivo. Ele contava curiosidades sobre seus dois ídolos do artesanato, Mestre Vitalino e Mestre Cardoso. Adorei saber que o ceramista de Caruaru tinha uma banda de pífanos. Na volta ao Cine Líbero Luxardo, lembrei que era o início do feriadão de Páscoa e por isso a sala estava vazia. Ficou um pouco frio, mas nem tanto para o casal enamorado ao lado. Apagam-se as luzes.





O filme se apresenta naquela janela 4x3, que também foi empregada no último filme de Wim Wenders. É interessante perceber como os diretores estão voltando a usar esta proporção de tela, pensando em como nosso cotidiano já estreitou lateralmente as imagens através do celular ou da paisagem (verticalizada). Atento à fotografia e ao enquadramento, o diretor Ilker Çatak toma as providências corretas e mostra uma sequência inicial ao mesmo tempo prazerosa e universal: a hora da saída da escola. Cinema é a arte da mise-en-scène com a mise-en-cadre, lembrava André Gaudreault.


O longa apresenta um enigmático enredo sobre casos de furto em uma escola, através do ponto de vista de uma professora do 6º ano. Carla Nowak é uma personagem idealista. É a funcionária novata de uma escola alemã cuja administração está tentando descobrir quem está roubando cédulas de dinheiro dos professores. A diretora promove diligências e interrogatórios atrás dos culpados e, sem sucesso, ainda envolve alunos imigrantes em situações embaraçosas. A professora Nowak não concorda com os métodos da diretoria, critica a prepotência dos colegas vitimados e, desconfiando dos autores do crime, resolve verificar se o pick-pocket não está dentro da Sala de Professores – onde não circulam crianças. Sem pensar muito bem nas consequências, Nowak inventa o próprio método: deixa sua carteira dentro do casaco e o apoia no encosto da cadeira, como isca, enquanto sai da Sala dos Professores para uma pausa. Um detalhe: ela deixa a webcam do laptop gravando. Quando volta, Nowak vai procurar a carteira e confirma que foi furtada. Logo ela abre o vídeo para detectar o responsável. Mas o que ela vê não é bem a imagem do culpado, mas um indício: há um braço que mexe no bolso, vestindo uma blusa de manga branca com estrelinhas. Essa roupa liga o crime à Sra. Kuhn, a chefe da secretaria, que está vestindo uma estampa idêntica à que aparece no vídeo. Imediatamente, Nowak vai até o balcão da Sra. Kuhn, pergunta se alguém passou por ali, informa que foi furtada e, chocada com a dissimulação da mulher, ainda pergunta se ela não quer devolver o dinheiro que roubou, sem maiores consequências. Apesar do perdão oferecido, a Secretária rechaça instantaneamente a acusação e, mesmo diante do vídeo que a professora lhe mostra, diz que aquilo não é uma prova, apenas uma coincidência de estampas que nada pode confirmar. Nowak é expulsa aos berros do balcão.


Para o espectador, parece óbvio que se trata de um caso de cleptomania. Mas a narrativa não segue esse rumo, felizmente. Depois da reação da Secretária, Nowak vai estarrecida até a diretora mostrar-lhe a prova do crime e, consequentemente, o conselho decide afastar a Sra. Kuhn por 10 dias. É aí que Oskar, o filho da Secretária, ganha um papel relevante.


O aluno prodígio da Profª. Nowak é muito bom em matemática. Desde o princípio, ele é notado como alguém dotado de uma inteligência oracular (desses que conseguem amalgamar o conhecimento). Quando o garoto é informado do afastamento da mãe, Nowak consola-o com um presente: um cubo mágico clássico. Ela pergunta se ele sabe o que é um algoritmo e, após a resposta negativa, diz que se trata de um conjunto de passos para resolver um problema. Até este momento, o garoto não sabe o motivo do afastamento da mãe, porque ela mesma não quis contar ao filho sobre o caso (fato que reforça a tese de culpa da mãe). Mas as fofocas aparecem e Oskar identifica a responsável pela imputação do crime. Nowak se sente muito comovida com a situação do aluno, que sofre com bullyings e perda de rendimento escolar. Ela teme que sua intenção de fazer justiça possa ter comprometido o brilhante futuro do garoto.


Se até aí a relação professora-aluno seguia tranquila, depois disso, as coisas mudam de lugar. Oskar fica inconformado com o afastamento da mãe, reclama de ouvir o deboche nos corredores, tenta resolver a situação quebrando seu porquinho (para devolver a quantia roubada), porém todas as suas tentativas se dão em vão. A professora diz que não se trata de dinheiro, mas de honestidade. É quando ela ganha um inimigo. Oskar repete aos gritos que sua mãe não é ladra. Ele não aceita a acusação e vai fazer de tudo para se vingar da professora. De querido aluno inteligente, Oskar passa a ser um ardiloso delinquente. Ele usa sua inteligência e popularidade para colocar os colegas contra a professora Nowak. O jornal dos estudantes chega a publicar uma matéria distorcendo a entrevista da professora, a qual fora concedida num claro esquema de complô. Oskar avisou tudo isso: caso a professora não retirasse a queixa e fizesse a mãe dele voltar ao trabalho imediatamente, ele iria transformar a vida dela num inferno. É uma ameaça? Sim, é o que ele faz sem pudor.


Brigas, intrigas e manipulações; mentiras, conchavos e complôs são desferidos contra a professora, que chega ao ponto de ser agredida e ter seu computador destruído. A reunião de pais é um desastre, repleto de fofocas e acusações. A professora passa sufoco. Sente-se culpada e chega até mesmo a sugerir seu próprio afastamento. Nem os berros catárticos expurgam o mal instaurado. É possível dizer que ela tem uma visão coerente com uma educadora preocupada com o bem-estar do aluno, mas a situação está nitidamente lhe prejudicando pessoalmente. Teria ela merecido? Os docentes acham que não. A crise finalmente se encaminha para um fim quando o conselho determina a expulsão da mãe e do filho. Aí vem o sobressalto do desfecho: o garoto vai para a classe, mesmo após a expulsão. A professora Nowak enxerga a última oportunidade de se acertar com o menino, embora não saiba como. Nowak quer uma conversa franca com Oskar e pede que todos os deixem a sós. O garoto está desolado e não dá uma palavra sequer. O silêncio é arrasador. O objetivo vira tentar convencê-lo a ir para casa, apesar dos lamentos, para evitar a entrada da força policial. Mas o garoto resiste e usa a mágica do cubo para tornar sua saída triunfal, maculando a vitória da escola sob a pena de perder um grande gênio. Eis como um enigma se decifra num dilema sem fim.

 
 
 

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